Afinal, jornalista esportivo também pode ser torcedor?
A motivação dos futuros profissionais da imprensa para jornalismo esportivo, na maior parte dos casos, é a paixão por um clube de futebol. Porém, esse sentimento não deve interferir no exercício da profissão.
A maioria dos jornalistas não revela para que time torce por temer acusações de parcialidade; alguns assumem discretamente sua preferência; e poucos revelam sem medo seu amor por um time. Porém, todos devem prezar pela ética para o exercício da profissão. Oito profissionais da mídia paranaense contam um pouco de suas experiências e de como é lidar com a emoção, às vezes quase que inevitável, no esporte preferido dos brasileiros.
Para a repórter da RPC Nadja Mauad, há seis anos no mercado, desde o início o caminho para o profissionalismo foi o da imparcialidade. Ao vivenciar os bastidores, seu lado jornalístico falou mais alto. “Se nossos times fizerem boas campanhas, a chance de ganharmos mais espaço é muito maior”. Da mesma forma, Gabriel Hamilko, setorista do Coritiba no site GloboEsporte.com desde junho do ano passado, também preza pela neutralidade em seus textos. “O fato de trabalhar com os jogadores do time para que se torce já é uma dádiva, não é preciso distorcer e pedir autógrafos ou fotos. O atleta não saber para qual time você torce diminui a pressão e auxilia na isenção da cobertura”.
O profissional do meio impresso, rádio e televisão, Marco Antonio Assef Bruginski,iniciou na cobertura futebolística em 1984, permanecendo até 2003. Inicialmente foi difícil esquecer a paixão clubística, mas o trabalho como setorista de um clube adversário ajudou a diminuir o sentimento vindo das arquibancadas. Em quase vinte anos de carreira, passou por várias situações curiosas: em 1993, Chiquinho Neto (então técnico do Coritiba) tratava mal a imprensa, que o criticava devido ao seu estilo “retranqueiro”. Em um treino, Chiquinho caiu da escada que dá acesso aos vestiários e tentou culpar Marco, afirmando que fora empurrado. O técnico até registrou um boletim de ocorrência, mas as testemunhas desmentiram sua versão.
Com oito anos de trabalho na cobertura televisiva do futebol paranaense, a repórter Ana Tereza Motta (ou apenas Tetê) até hoje deixa em dúvida as torcidas organizadas sobre seu clube de preferência. Para ela, todo jornalista que gosta de futebol obviamente torce por um time, e é essa paixão que acaba motivando a busca pelo trabalho no mundo da bola. Mas, ao ver torcedores rivais sempre envolvidos em conflitos nos terminais de ônibus e, ao mesmo tempo, dirigentes e jogadores de times adversários confraternizando após as partidas, foi se desencantando do esporte.
Para o jornalista Leonardo Bechtloff, no começo foi difícil separar a paixão clubística, mas, com o tempo e o auxílio de profissionais mais experientes, ele compreendeu que era necessária uma mudança na postura, pois o “universo do futebol está de ouvidos ligados, e a responsabilidade de emitir uma opinião é alta”. Ele trabalhou no rádio esportivo de 2008 até junho deste ano, quando deixou a Difusora AM 590 para atuar em uma campanha eleitoral. À medida que seu lado torcedor foi diminuindo, a porção cronista e o sentimento de defesa pela causa dos times do Paraná cresceram.
A rotina da cobertura dos jogos e treinos, para Monique Vilela (produtora e repórter da Rádio Banda B desde 2006), fez com que seu laço afetivo em relação ao clube de coração diminuísse — o futebol passou a ser apenas um trabalho. Já o repórter da Rede Massa, Moisés Stuker, há três anos na área esportiva, não teve problema ao cobrir os times paranaenses. Por não ser natural de Curitiba, seu coração bate mais forte por um clube de fora. “O pior, mesmo, é aguentar a falta de educação do torcedor que ficaxingando o tempo todo.”
Finalizando, o repórter Eduardo Scola, que fazia parte da equipe do programa “Show de Bola” na Rede Massa e atualmente está na RPC, diz que é complicado deixar o pensamento de torcedor de lado ao preparar uma reportagem. Durante as partidas, já viveu algumas situações inusitadas: “a que mais se repetiu nesses dois anos foi comemorar (discretamente!) gol do meu time no estádio adversário. Quase apanhei de um torcedor uma vez, mas consegui contornar a situação com muita conversa”. No entanto, com o passar do tempo, foi percebendo que seu time é apenas mais um dentro do campeonato, e que, se os clubes do Estado estiverem bem, isso facilita o trabalho de cobertura.
*Este texto foi publicado originalmente em agosto de 2012, como parte das minhas atividades para obter o diploma de jornalista
Foto de 2012, reapresentação do Alex no Coritiba, minha época de estagiária no Show de Bola da Rede Massa — SBT Curitiba.